Uniso desenvolve estudos sobre medicamentos para o SUS
Pesquisadores analisam evidências científicas e impacto orçamentário, emitindo pareceres que podem auxiliar o Ministério da Saúde na inclusão ou exclusão de medicamentos

Dez estudos sobre diversos tipos de medicamentos, como de tratamento da asma, diabetes e tuberculose, foram concluídos após análises criteriosas desenvolvidas por um grupo de pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Uniso (PPGCF-Uniso), integrantes do Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS-Uniso). Os estudos resultam de uma parceria da Universidade com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e o Ministério da Saúde (MS).
Com papel estratégico dentro da Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde (Rebrats), vinculada ao Ministério da Saúde, os NATS produzem pesquisas e ações de capacitação técnica, com o objetivo de fortalecer o uso de evidências científicas para o aprimoramento de práticas clínicas e gestão em saúde.
De acordo com a Rebrats, na área de gestão hospitalar, os Núcleos de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS) auxiliam “na tomada de decisões quanto à inclusão de novas tecnologias, à avaliação de tecnologias difundidas e ao uso racional de medicamentos”.
A Uniso é uma das 130 instituições credenciadas pela Rebrats e criou, em 2018, o NATS-Uniso como um núcleo de pesquisa dentro do PPGCF. Dele fazem parte os professores pesquisadores Cristiane de Cássia Bergamaschi, Juliana Machado Rugolo, Luciane Cruz Lopes e Silvio Barberato Filho, coordenador do Núcleo. Todos eles estão vinculados à linha de pesquisa “Uso Racional de Medicamentos”, dedicada à produção de conhecimento na área farmacêutica.
Os estudos foram entregues por meio de uma parceria firmada em uma carta-acordo que, além de promover o desenvolvimento acadêmico-científico e auxiliar nas tomadas de decisão no SUS, concedeu “um financiamento que foi aplicado majoritariamente em bolsas de estudo para alunos de pós-doutorado”, conforme explica a professora Cristiane de Cássia Bergamaschi. Estiveram também envolvidas neste trabalho duas estudantes de pós-doutorado, Mariana Del Grossi Moura e Jéssica Cumpian Silva.

Medicamentos para asma e diabetes estão entre os analisados
A pedido do Ministério da Saúde (MS), foram elaborados quatro PareceresTécnico-Científicos; dois Estudos Econômicos; quatro Estudos de Monitoramento de Horizonte Tecnológico (MHT) e três Relatórios de Recomendação.
De acordo com a professora Cristiane de Cássia Bergamaschi, pesquisadora do NATS-Uniso, as informações geradas pelos estudos servem para subsidiar a decisão do MS quanto à incorporação dos medicamentos ao SUS, possibilitando que passem a ser fornecidos gratuitamente para a população. “As pessoas se beneficiam de um tratamento que antes não estava disponível e que, a partir da análise da aprovação na comissão, vai ser adquirido em nível municipal, estadual ou federal”, explica.
Os pareceres técnico-científicos, juntamente com os documentos de recomendação, são relatórios sobre a avaliação da eficácia do uso de um medicamento, sua segurança, custo-efetividade e impacto orçamentário no SUS. Foram entregues pelo NATS-Uniso os seguintes pareceres: uso da pretomanida para o tratamento da tuberculose resistente a outros medicamentos; ampliação de uso do mepolizumabe para o tratamento de asma eosinofílica grave refratária; uso do cloridrato de piridoxina para a prevenção de alterações fetais em pacientes gestantes que estiverem passando por tratamento de tuberculose; e exclusão dos medicamentos hidróxido de alumínio e alfacalcidol para o tratamento de distúrbio mineral ósseo na Doença Renal Crônica e de Hipoparatireoidismo.
Dentro da esfera dos estudos econômicos, foram produzidos dois documentos que analisaram o custo-minimização e o impacto orçamentário, ambos relacionados à pretomanida para o tratamento da tuberculose resistente a medicamentos.
Já os estudos de Monitoramento de Horizonte Tecnológico (MHT) estão relacionados a medicamentos para anemia, diabetes e distrofia muscular. Esse tipo de estudo analisa evidências sobre o tratamento e o nível de efetividade de novos medicamentos. “É uma ‘previsão do futuro’, mas com conhecimento científico. O Ministério da Saúde já precisa estar ciente desse possível impacto econômico, então já demanda um estudo antes até da empresa pedir o registro no Brasil. Porque há um movimento social que vai cobrar esse medicamento no SUS. Nós verificamos se o medicamento parece promissor ou não, se tem alternativa terapêutica e quanto vai custar para o SUS”, comenta o professor, pesquisador e coordenador do NATS-Uniso, Silvio Barberato Filho.

Contribuições da Uniso
Em julho de 2022, foi assinada uma carta-acordo entre o Ministério da Saúde, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e a Fundação Dom Aguirre (Uniso), mantenedora da Uniso, com o objetivo de fortalecer o processo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) no Brasil. O documento visava criar uma colaboração estratégica que permitisse alinhar esforços técnicos e científicos em benefício do SUS.
Mesmo antes da aproximação do NATS-Uniso com o Ministério da Saúde, em 2022, quando a carta-acordo foi assinada, o núcleo já produzia estudos nessa área dentro do Programa de Pós-Graduação. O professor Barberato Filho conta que, apesar de o NATS-Uniso ter sido criado em 2018, a Universidade possui um histórico de contribuição ao SUS em nível municipal, estadual e federal desde 2006. “Já tínhamos familiaridade com os estudos, só que os prazos na pós-graduação são diferentes, mestrado tem dois anos, doutorado quatro, então levamos mais tempo para a conclusão dos estudos. Os prazos para entrega de produtos ao Ministério da Saúde são mais estreitos. Temos que ser extremamente ágeis”, detalha.
Os dez estudos desenvolvidos pelo NATS-Uniso foram apresentados em plenárias da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), com o objetivo de orientar a tomada de decisão dos representantes com assento na comissão. Tais estudos permitem um trabalho articulado e baseado em evidências, favorecendo decisões mais transparentes, equitativas e sustentáveis para o sistema de público de saúde no Brasil.
A parceria entre MS, OPAS e a Uniso possibilita a produção de evidências científicas para subsidiar decisões relacionadas à incorporação, exclusão ou alteração de tecnologias em saúde no SUS; apoio à tomada de decisão do MS; promoção a formação e atualização de profissionais envolvidos na ATS; integração com a Rebrats, promovendo o compartilhamento de boas práticas e a colaboração em projetos estratégicos; e incentivo às pesquisas que envolvam a análise de custo-efetividade, impacto orçamentário e avaliação de tecnologias novas ou já existentes no SUS.

Processo de recomendação de medicamentos
“O Relatório de Recomendação é um parecer técnico-científico que auxilia as decisões da Conitec”, explica, de maneira resumida, o professor Barberato Filho. Segundo ele, esse relatório, um dos dez estudos entregues ao Ministério da Saúde, consolida todos os documentos relativos a uma determinada análise. Após a conclusão do parecer, o estudo é apresentado às comissões técnicas em Brasília. Essas informações vão subsidiar os membros com poder de voto na comissão, que recomendarão ou não a incorporação do medicamento ao SUS. Após a apresentação do parecer, os votantes podem solicitar esclarecimentos adicionais aos pesquisadores. A Conitec também pode solicitar o aprofundamento do estudo ou não aprovar, por conta do impacto orçamentário, e isso pode levar à revisão do preço dos medicamentos pela empresa farmacêutica.
O professor detalha que é comum as empresas farmacêuticas mobilizarem entidades da sociedade civil, profissionais da saúde, entre outros, que queiram se manifestar a favor da incorporação do medicamento. Eles podem, inclusive, enviar materiais que contestem a análise apresentada por um dos NATS.
Após o período em que a consulta pública ficou aberta e recebendo as contribuições, “nós somos chamados novamente para olhar esse material que se refere às contribuições recebidas. Tem um grupo que faz a análise desse material e manda o relatório para nós realizarmos a avaliação técnica”, conta Barberato Filho.
Durante o período da consulta pública, a empresa farmacêutica pode apresentar um novo estudo que não foi utilizado pelo NATS, cabendo ao NATS explicar o motivo da exclusão. “Temos que responder o porquê de não termos levado em conta esse estudo. Então, em geral, nosso trabalho ainda passa por esse crivo das partes interessadas”, reforça.
“Alguns pacientes também são convidados para prestar seu depoimento sobre o medicamento. A participação é gravada e fica disponível no YouTube para a população”, comenta Bergamaschi. De acordo com os professores, essa abertura para o paciente é chamada de experiência do usuário. É o momento em que alguém da sociedade civil, que se encontra fora do ambiente técnico-acadêmico e que já usou ou ainda utiliza o medicamento, compartilha com a comissão de especialistas sua experiência, contribuindo para as ações de tomada de decisão do MS. Segundo Bergamaschi e Barberato Filho, essa participação social é algo mais recente; às vezes, os familiares dos pacientes também são ouvidos, prática que é valorizada em diversos países
Medicamentos disponibilizados pelo SUS
Conforme Barberato Filho, a análise de custo-minimização avalia o custo do medicamento no tratamento. Já a análise de impacto orçamentário apura quantas pessoas têm a doença e quanto isso vai custar ao SUS nos próximos cinco anos. “O impacto orçamentário parte das estimativas epidemiológicas e dos dados do Ministério da Saúde para analisar quantas pessoas utilizarão esse medicamento por ano. A partir do momento em que ele é incorporado ao SUS e passa a ser distribuído gratuitamente, o Ministério da Saúde tem a obrigação de comprá-lo e disponibilizá-lo para as pessoas”, explica Barberato Filho.
No caso da pretomanida, utilizada para o tratamento da tuberculose resistente a medicamentos, por exemplo, é preciso descobrir quantos pacientes têm tuberculose e, desses, quantos vão utilizar o tratamento convencional e quantos precisarão do novo tratamento, devido à resistência do microrganismo causador da doença — o que exigirá um protocolo terapêutico muito mais caro.
Barberato Filho exemplifica: “às vezes, um tratamento convencional de tuberculose vai custar menos de cinquenta reais por mês. Já um tratamento de uma tuberculose resistente pode chegar a três mil reais por paciente. Se houver dez pacientes, isso tem um impacto orçamentário para o SUS; se forem mil ou dez mil, um impacto ainda maior”.
Hoje, existem medicamentos ultrapassando dois milhões de dólares por dose, alguns chegando a custar quase 20 milhões de reais. E muitos desses são medicamentos novos, que ainda não possuem efetividade comprovada, porque são destinados para tratamento de doenças raras. “Para o Ministério dispor de um recurso dessa monta, por um tratamento que ainda não tem certeza do benefício, é uma tomada de decisão complexa. Por isso, é demandado esse tipo de estudo para o NATS”, complementa.
NATS-Uniso pode desenvolver estudos para instituições de saúde
Segundo o documento Classificação dos NATS: Critérios & Resultados, publicado em abril de 2025 pelo Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde (DGITS), o NATS-Uniso é classificado como Nível III (avançado) nas categorias Síntese de Evidência (SE) e Avaliação Econômica (AE).
Isso possibilita ao Núcleo desenvolver documentos de forma autônoma, elaborar produtos mais complexos em apoio ao DGITS e realizar ações de tutoria com outros NATS, sendo capaz de executar todas as etapas da metodologia de maneira independente, orientar grupos de trabalho e realizar planejamento.
Barberato Filho explica que, no site da Rebrats, existe uma classificação de cada um dos núcleos que estão distribuídos em todo território nacional, conforme a especialidade. Essa classificação é dividida em três áreas técnicas — Síntese de Evidência (SE), Avaliação Econômica (AE) e Diretrizes/Protocolos Clínicos (PCDT) — e em três níveis, sendo que o nível três significa domínio pleno do método referente àquele tipo de estudo.
Para ser classificado, o NATS precisa enviar para o Ministério da Saúde o currículo de toda a equipe integrante e comprovar experiência com estudos na área e publicações consideradas relevantes. O NATS-Uniso tem classificação máxima em dois dos três níveis.
Barberato Filho explica também que essa classificação é reavaliada periodicamente, já que as equipes que compõem os NATS podem passar por mudanças. Esse critério de reclassificação contínua é importante pois faz com que os NATS estejam sempre aprimorando a expertise de seus integrantes.
O NATS-Uniso também pode fornecer estudos para outras instituições, como operadoras de planos de saúde, hospitais públicos e privados, prefeituras e outras instituições de Sorocaba e região. O pesquisador vê no atendimento às demandas externas uma grande oportunidade de aumentar a visibilidade do NATS-Uniso: “Elas acabam sendo do nosso interesse porque projetam o grupo, o programa e a instituição. Avaliações de tecnologias em saúde são muito valorizadas internacionalmente e realizadas no mundo inteiro”, reforça.
Contatos
NATS-Uniso: nats@uniso.br
Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas (PPGCF)
Saiba mais sobre alguns dos produtos entregues:
Parecer Técnico-Científico: Pretomanida para o tratamento da tuberculose resistente a medicamentos. Fev. 2023. p. 37-56. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/relatorios/2023/Relatorio_849_pretomanida_TB_Resistente.pdf.
Parecer Técnico-Científico: Ampliação de uso do mepolizumabe para o tratamento de pacientes com idade entre 6 e 17 anos com asma eosinofílica grave refratária. https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/relatorios/2024/ampliacao-de-uso-do-mepolizumabe-para-o-tratamento-de-pacientes-com-idade-entre-6-e-17-anos-com-asma-eosinofilica-grave-refrataria/@@download/file.
Relatório de Recomendação nº 937: Exclusão dos medicamentos hidróxido de alumínio e alfacalcidol para o tratamento de Distúrbio Mineral Ósseo na Doença Renal Crônica e Hipoparatireoidismo. https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/relatorios/2024/20241203_Relatorio_937_exclusao_hidroxido_aluminio_alfacalcidol.pdf
Texto: Rafael Filho