Aula de história da alimentação enaltece mulheres na gastronomia
Um dos recentes temas das aulas do componente História da Alimentação, ministrado no curso de Gastronomia da Uniso pela professora Juliana Tonon, foi a importância das mulheres na gastronomia e principalmente na pesquisa.
De acordo com Tonon, a ideia partiu de um incômodo que ela carrega consigo: a pouca ascensão à cargos de liderança por parte de suas ex-alunas. “Além do conhecimento, meu intuito foi homenagear as minhas alunas. Todo ano nessa data, eu trazia um bombom, batom etc. Neste ano resolvi fazer dessa forma, e deu super certo”, ressalta a professora.

Ela explica que a ideia foi apresentar um conteúdo que fizesse referência ao feminino, não necessariamente sobre chefes de cozinha mulheres. “Eu falei até sobre bruxas que foram queimadas pelo fato de possuírem o conhecimento sobre a produção de cerveja”, comenta, durante a explicação de que as primeiras pessoas a produzirem cervejas eram mulheres. A professora reforça, por exemplo, que os chapéus de bruxas que conhecemos eram, na verdade, uma forma de sinalizar quais mulheres eram produtoras ou não de cerveja.
Ministrada na semana do dia das mulheres, em março, e em uma classe com predominância feminina, a aula teve momentos em que as alunas expuseram suas opiniões. Segundo Tonon, uma aluna levantou a questão de que muitas vezes as mulheres não ajudam as próprias mulheres, “o que demonstra que a questão vai além da cozinha. É algo social, estrutural”.
Ainda conforme relato da professora, durante o debate, algumas alunas comentaram que quando forem para o mercado de trabalho irão dar preferência para a contratação de mulheres, sendo que uma afirmou que pretende contar com um quadro 70% feminino. “Nós precisamos de homens na cozinha também. A questão está em só eles possuírem cargos de liderança e as mulheres ficarem somente no operacional, muitas vezes”, ela pontua.
A professora comenta que já passou por processos seletivos e presenciou entrevistas de emprego em que mulheres eram desclassificadas de processos seletivos pela possibilidade de engravidar. “Somos submetidas a perguntas invasivas do tipo ‘você pretende casar?’ Ou ‘pretende ter quantos filhos? Daqui a quanto tempo?’. Esse tipo de pergunta não é feito para os homens”, relata.
Reforçando a atenção para situações de machismo que, apesar de ações de conscientização, ainda ocorrem, Tonon comenta que, além da diferença salarial entre homens e mulheres na gastronomia, existem o preconceito e o assédio. “Um homem bebendo uma cerveja sozinho é normal. Mas quando é uma mulher, já insinuam diversas coisas. Na hora de dar uma gorjeta, geralmente chamam o garçom. A garçonete é alvo de piadas e, muitas vezes, de assédio sexual”, pondera.

A aluna Maria Eugênia Lopes Navarro, que atua na área alimentícia há sete anos, afirma que, em grande parte das cozinhas que conheceu, a maioria das mulheres estava na parte operacional e os homens, em cargos de liderança. Ela sente que essas situações visam o silenciamento e geram o apagamento do brilho feminino, fazendo com que elas não se sintam pertencentes a posições de liderança.
A aluna comenta que percebe nas rotinas de trabalho que as mulheres são vistas como uma figura “de cuidado, provedora”, sem valorizar, por exemplo, a capacidade de empreender. “Muitas vezes, a fala de uma mulher tem mais valor quando é replicada pela voz de um homem. Dentro da cozinha, temos que ter uma postura combativa, com comportamentos geralmente ‘masculinos’, para podermos ser respeitadas”, enfatiza Navarro.
Ainda sobre a questão da mulher e a cerveja, a professora comenta que até em reality shows de produção da bebida a quantidade de mulheres é bem menor em relação aos homens, fazendo com que a pessoa vencedora geralmente seja uma figura masculina. Em contrapartida, conta que em Sorocaba existe uma mestra-cervejeira que ministra o curso somente para mulheres.
Na aula intitulada Mulheres na História da Alimentação, a professora procurou também enaltecer a importância das mulheres no universo da pesquisa. “Muita gente fala ‘Melitta’ sem saber que é o sobrenome da mulher que inventou o coador de café”, exemplifica, comentando sobre Amalie Auguste Melitta Bentz, uma dona de casa alemã que em 1908 criou esse produto que é utilizado até hoje. “Procurei passar para minhas alunas que não é só a busca pela ascensão profissional e financeira, é preciso pesquisar também”, aponta.
Tonon buscou mostrar a grande quantidade de invenções e pesquisas desenvolvidas para mulheres, mas que são silenciadas. E a ação surtiu efeito. A professora conta que a sala percebeu rapidamente o pequeno número de pesquisadoras negras, por exemplo. Para reforçar a importância da influência negra e indígena na formação brasileira, a professora indicou filmes e documentários, entre eles a série A História da Alimentação no Brasil, baseada no livro homônimo de Luís da Câmara Cascudo, um dos maiores pesquisadores brasileiros sobre cultura.

Ainda no início do curso e com apenas dois meses de trabalho em cozinha, a aluna Larissa Mastromauro comenta que já percebeu as desigualdades de gênero no ambiente de gastronomia e que o curso foi uma “virada de chave” em sua vida. “Trabalhava há 10 anos com vendas em um escritório. Decidi arriscar. Pedi demissão para estagiar em gastronomia e não me arrependo”.
A aluna comenta que até assistir a aula não tinha conhecimento sobre essa ligação tão antiga da mulher com a cerveja e comenta uma situação que passou por diversas vezes: “Eu namorava um rapaz que não bebia e eu, sim. A gente chegava nos lugares e pedia um refrigerante e uma cerveja. Todas as vezes o garçom entregava a cerveja para ele”, conta, reforçando o estereótipo de que mulheres não costumam beber.
Texto e fotos: Rafael Filho.